Rogedo - Pedro Ivo Rogedo Costa Dias
Redes sociais e antissociais
  • Home
  • Bio
  • Pesquisa
  • Aulas
    • YouTube
  • Consultoria
  • Blog
  • Contato

Ser um fã de uma marca - algumas considerações

3/12/2014

1 Comentário

 
Gostaria de aproveitar esse espaço hoje para conversar um pouco sobre as razões que levam as pessoas em geral ao comportamento de "tornarem-se fãs" de uma marca; e, ainda mais importante, a lógica que leva essas mesmas pessoas à interação com o conteúdo publicado pela mesma no Facebook.

O tema se torna cada vez mais importante, especialmente com a queda no alcance orgânico do Facebook (tema sobre o qual falei há alguns meses aqui), assunto que volta e meia retorna à ordem do dia, normalmente cercado de muito choro. Assim, já que muitos ainda insistem em perceber o Facebook como um mágico pote de ouro no final do arco-íris, numa terra encantada em que há almoço grátis, é necessário também que compreendamos um pouco melhor algumas das razões que levam as pessoas a ter algum tipo de desejo de interagir com alguma marca.

Lin e Lu (2011), utilizando a perspectiva da teoria do Capital Social, empiricamente propuseram que a intenção de utilização de uma fan page seria dependente de três aspectos: interações sociais, confiança e valores compartilhados. Por interação social compreende-se o relacionamento efetivo dos usuários com uma página, estabelecendo conexões e troca de conteúdo com a mesma. Confiança é operacionalizada como o resultado de uma série de interações ao longo do tempo, tidas como geralmente positivas e benéficas pelo usuário, que levariam à percepção de confiabilidade em relação a uma fan page. Por último, os valores em comum seriam definidos pelo alinhamento entre os valores percebidos nas páginas e aqueles tidos pelos usuários.

O conteúdo, evidentemente, tem um papel fundamental não apenas na atração como também na retenção dos usuários enquanto interatores de uma página. A pesquisa de Vries, Gensler e Leeflang (2012) aponta para a importância da interatividade e da estética no conteúdo das páginas como importantes fatores de incentivo para o sucesso da mesma. Analisando essa sugestão com a de Lin e Lu (2011), poderíamos colocá-la debaixo do conceito de "interações sociais" proposto.

A pesquisa de Hyllegard et al. (2011), realizada com estudantes dos EUA, propôs que a construção identitária (ou seja, a utilização das fan pages como marcadores de identidade) seria um fator importante e significativo para a decisão de se tornar fã de uma página. Em linha similar seguem Jahn e Kunz (2012) quando sugerem, após estudo empírico, que atributos funcionais (no sentido da utilidade percebida do uso da informação publicada pelas páginas) e hedônicos (significando associações e sentimentos positivos de prazer nesse uso) também seriam fatores que poderiam prever positivamente a utilização de uma fan page.

Zaglia (2013) também chamou a atenção para o caráter comunitário das interações no Facebook, embora ressaltasse bastante a importância de uma cuidadosa atividade de planejamento para que as marcas obtivessem algum sucesso nessas aventuras em mídias sociais.

Evidentemente, os benefícios de uma fan page parecem ser consideráveis para a marca. A pesquisa de Jahn e Kunz (2012) também apontou para um relacionamento positivo entre participação ativa em uma fan page e o relacionamento entre o consumidor e a marca - em outras palavras, teríamos benefícios importantes gerados para o negócio através de uma participação ativa no espaço. Entretanto, tal tarefa não parece ser fácil, sendo algo que podemos facilmente notar nas conversas muitas vezes nonsense realizadas por muitos praticantes do mercado publicitário que, incrivelmente, ainda acreditam na lógica do "publish, and they will come" - em outras palavras, que bastaria publicar que as pessoas iriam correr para consumir determinado conteúdo.
A não ser que você seja o Justin Bieber, a Lady Gaga, a Madonna, o Barack Obama, ou alguém nesse nível de fama, tal premissa me parece extremamente equivocada.

Essa "novidade" já era dita ainda em 2008. Em um interessante artigo do New York Times (Stross, 2008) sobre o tema, um executivo da SocialMedia Networks resumiu (isso naquela época) a lógica do Facebook em relação à interação com marcas e à publicidade:
Advertisers distract users; users ignore advertisers; advertisers distract better; users ignore better.
Nesse contexto, podemos imaginar que é a marca que deve compreender a sua própria adequação ao ambiente que entra, e não o contrário. Acredito nisso porque, como costumo falar, as mídias sociais existem ainda que as marcas não queiram (ou queiram). Na verdade, as mesmas têm um papel importante para a saúde financeira do Facebook, mas um papel muito menos importante na lógica tradicional de conversas ocorridas entre os usuários. Conforme resumiu sarcasticamente Kelly (2013, p.52), provavelmente ninguém acorda em um belo dia pensando "não posso esperar para ver o que a marca X irá publicar no Facebook hoje!". Se provavelmente ninguém acorda assim, então talvez seja o caso de não esperar que um vasto número de pessoas irá esperar ansiosamente pelo conteúdo publicado pela marca. Na verdade, mesmo que você não publique coisa alguma por meses, as pessoas continuarão a tocar suas vidas. E, por sinal, mesmo que você publique, eles também continuarão a tocar a vida.

Assim, pelo que temos até o momento, posso me arriscar e ofertar algumas sugestões:

1 - Abandone de vez qualquer ideia romântica em relação ao Facebook enquanto mídia. Ele não é gratuito. Por acaso a Globo cobra para as marcas colocarem seus anúncios na programação? Claro que sim. Então por que razão você iria esperar que o Facebook, compreendido enquanto mídia para se atingir um determinado público (na mesma lógica da Globo), fosse gratuito?

2 - Reveja seu planejamento de mídia para incluir verbas de patrocínio no Facebook, caso seja seu desejo a efetivação de alguma estratégia mais robusta que apenas manter a página por questões puramente existenciais. Nem todo mundo é o Justin Bieber ou a Harley-Davidson, e a queda no alcance orgânico apenas irá piorar com o tempo (embora eu discorde dos mais alarmistas que estão prevendo que chegue muito próximo a zero).

3 - Construa uma base de fãs que tenha alinhamento com os objetivos da marca. Tamanho não é relevante, especialmente se você utiliza de maneira adequada a mídia (cenário cada vez menos opcional). Se a marca possui uma base de fãs que faça sentido quando comparada com os objetivos da mesma, já melhora a qualidade potencial das interações que ali existirão.

4 - Pesquisa. Muita pesquisa. Pesquisa séria. O genial David Ogilvy acreditava muito nisso, e sua famosa frase sobre o assunto continua mais válida que nunca:
Advertising people who ignore research are as dangerous as generals who ignore decodes of enemy signals.
Falar em uma fan page não é muito falar sobre o que eu gosto ou acho que as pessoas vão gostar (informação normalmente tirada de uma cartola), mas sim o oposto: preciso entender muito bem o que as pessoas que são o meu objetivo gostam. Aliás, não seria esse o significado de "curtir"?

5 - Linguagem é algo fundamental. Assim com o papel da pesquisa, conhecer a linguagem correta (aí inclusos também os modos e as formas contextuais de interação) para o público-alvo é fundamental. Outra vez, o sempre genial David Ogilvy alertava:
If you're trying to persuade people to do something, or buy something, it seems to me you should use their language, the language they use every day, the language in which they think.
6 - Ofereça razões reais e que façam sentido para o usuário se tornar fã E engajar com suas publicações. As pessoas devem ver algum tipo de utilidade e vantagem naquela publicação para que a mesma faça sentido. Reafirmando: o publish and they will come não vai dar certo.

7 - Se sua marca é odiada (seja pelo péssimo serviço, péssimo atendimento, péssimo tratamento com o consumidor, etc.) não há Mark Zuckerberg que salve. Tente primeiro resolver os problemas mais urgentes do produto ou serviço em relação ao consumidor, e não ache que uma página com publicações fofas irá salvar o dia. A publicação pode ser uma homenagem à Madre Teresa ou mesmo um gatinho bonitinho com os dizeres "bom dia!", mas os problemas efetivos que os consumidores passam com a marca são tão irritantes que até nesse tipo de conteúdo as pessoas irão aproveitar para externalizar a raiva. Para o usuário de mídias sociais, aquele é o território dele, e a marca é em muitos casos uma persona non grata. O resultado disso é que as páginas servirão como SAC e, ao mesmo tempo, como local de catarse e externalização da raiva contida.
Se as pessoas escutam musiquinha por 30 minutos no call center e não conseguem resolver seus problemas com a marca, por que raios elas estarão felizes da próxima vez que aparecer alguma publicação da mesma em suas respectivas páginas pessoais? Ou seja: primeiro resolva de verdade os problemas de atendimento, produto e serviço, para depois ter a chance de desenvolver um relacionamento efetivo e positivo com as pessoas no território das mídias sociais. Caso contrário, o transtorno bipolar corporativo (falar uma coisa e, na prática, ser exatamente o contrário) não cairá bem com o público.

8 - Uma página, para ser uma conversa, precisa se caracterizar por uma via de mão dupla. Não é comum que as pessoas curtam conversar sozinhas. Isso serve tanto para o serviço reativo nas páginas (não deixar as pessoas sem respostas adequadas e verdadeiras) quanto para o ativo (não falar apenas em cada eclipse lunar e esperar que as pessoas vão ficar esperando pela sua publicação). Uma página é, por excelência, um serviço que deve estar sempre funcionando.

Bem, estes foram alguns rabiscos que simbolizam coisas que penso há tempos. Qualquer dúvida ou discordância peço que se sintam livres para comentar.

Abraços,

Pedro

***

As opiniões aqui manifestadas são pessoais, e não necessariamente refletem as visões de meu empregador.


Referências

Hyllegard, K.H.; Ogle, J.P.; Yab, R.-H.; Reitz, A.R. An exploratory study of college students' fanning behavior on Facebook. College Student Journal, v.45, n.3, p.601-616, 2011.
Jahn, B.; Kunz, W. How to transform consumers into fans of your brand. Journal of Service Management, v.23, n.3, p.344-361, 2012.
Kelly, N. How to measure social media. Indianapolis: QUE, 2013.
Lin, K.-Y.; Lu, H.-P. Intention to continue using Facebook fan pages from the perspective of Social Capital Theory. Cyberpsychology, Behavior and Social Networking, v.14, n.10, p.565-570, 2011.
Stross, R. Advertisers face hurdles on social networking sites. The New York Times, 14 dez. 2008 (online).
Vries, L.d.; Gensler, S.; Leeflang, P.S.H. Popularity of brand posts on brand fan pages: an investigation of the effects of social media Marketing. Journal of Interactive Marketing, v.26, n.2, p.83-91, 2012.
Zaglia, M.E. Brand communities embedded in social networks. Journal of Business Research, v.66, n.2, p.216-223, 2013.
1 Comentário

Aprender fazendo ou estudando? Faça ambos

3/6/2014

0 Comentários

 
 Imagem
Olá pessoal, tudo bem?
Hoje quero aproveitar esse espaço para falar um pouco sobre a tal dicotomia que vemos frequentemente propagada por aí sobre aprender fazendo ou aprender estudando.
Diversas metodologias tem sido propostas nas últimas décadas, enfatizando o valor da experiência enquanto formadora do conhecimento, em oposição à perspectiva puramente especulativa (na melhor das hipóteses, e no sentido filosófico do termo) ou dogmática (na pior das hipóteses) associada à educação tradicional. As propostas mais modernas, contudo, apresentam-se como inovadoras por levarem o aluno ao conhecimento através de um modelo hands on (sim, porque se não for em Inglês não é tão legal assim). Aprenda fazendo.

Essa abordagem é tão inovadora que tem suas raízes nos debates entre o papel do conhecimento abstrato e aplicado na Antiguidade Clássica. Os conceitos gregos de episteme e techne, que traduzidos (de maneira bem rasa e beirando a incorreção) poderiam ser compreendidos, respectivamente, como o conhecimento e a arte (no sentido do fazer algo). Evidentemente essa é uma versão super simplificada desses conceitos bastante complexos, e recomendo ao leitor interessado que dê uma lida nesse artigo da Enciclopédia de Filosofia de Stanford, que aprofunda merecidamente o tema.

O debate entre a demarcação do que seria episteme e techne, bem como acerca da importância relativa dos mesmos para os seres humanos, perpassou mentes brilhantes como Platão e Aristóteles. Tal debate se prolongou durante a Idade Média. O estabelecimento do trivium (gramática, lógica e retórica) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) como uma espécie de currículo básico nas universidades medievais pode ser considerado, de certo modo, como uma indicação da importância do pensamento mais abstrato em contraposição às disciplinas mais "práticas" por natureza. Outro ponto interessante de ser notado é a própria posição da Teologia e da Filosofia como áreas de estudo por excelência durante a Idade Média.

Isso não quer dizer que não tenhamos presenciado avanços significativos nas áreas ditas mais "práticas". Os filósofos árabes Avicena e Averróes, por exemplo, se destacaram na Medicina (na verdade, se destacaram em praticamente tudo que escreveram).

Na Idade Moderna, observamos um "retorno" cada vez mais intenso aos estudos destinados à resolução de problemas práticos (embora isso não significasse, nem um pouco, o abandono dos problemas teóricos). Talvez um dos maiores expoentes desse momento tenha sido Leonardo da Vinci. Embora o conheçamos principalmente enquanto artista, foi como engenheiro que muitos o conheciam. Problemas bastante práticos abordando pontes, construções e armamentos foram solucionados pelo gênio da Vinci.

Com o tempo, e devido a complexos processos sociais, surge de modo cada vez mais premente a necessidade de se educar um número maior de pessoas. Lembremos que a educação, até não muito tempo atrás, era privilégio de uma classe social superior. O modelo de educação da Idade Média simplesmente não era capaz de dar conta da quantidade de potenciais novos alunos.

Surge a educação pública (sem ser apenas no nível superior) em massa, destinada a capacitar uma grande parcela da população em conhecimentos básicos. Definem-se currículos básicos, que são aqueles que algumas pessoas acreditam que sejam o mínimo necessário para alguém obter determinadas capacidades na sociedade, e cria-se um processo de massificação do ensino. O resultado disso nós conhecemos: o método tradicional de ensino, em que um professor fica na frente de uma turma (antigamente com uma régua ou palmatória para punir os desobedientes) e passa determinados conhecimentos para os alunos.

Críticos desse modelo comparam (com razão) a um processo fordista de produção em massa. Afinal, temos um currículo bastante padronizado, pouca possibilidade de adaptação às necessidades individuais dos alunos e, por fim, a formação de uma massa de pessoas que não necessariamente foi incentivada a fazer aquilo que efetivamente gostariam. Evidentemente, um currículo padrão vai agradar a poucas pessoas, como qualquer coisa produzida em massa.

Não desejo entrar nesse debate especificamente, até porque os estudiosos (e professores) da área são muito mais habilitados que eu em apontar as deficiências desse modelo. O que me importa, nesse momento, é apontar para essa característica dogmática que o ensino tradicional apresenta. Você passa por um processo pouco adaptado às necessidades individuais, por um conteúdo dogmaticamente exposto, é avaliado de maneira padronizada e, ao final, tem-se um (in)feliz aluno (in)produtivo para a sociedade.

Nessa seara, não é difícil achar razoável que iniciativas que questionem o caráter dogmático da educação sejam cada vez mais trazidas à tona. O que é ótimo.

Vamos agora às universidades. Com mais de oito séculos de tradições e rituais, as universidades tem sido incrivelmente lentas em conseguir adaptar seus respectivos currículos às necessidades contemporâneas. E esse debate não é nem um pouco simples.

Esse debate passa, necessariamente, pelo papel das universidades. Há quem acredite que as universidades deveriam se igualar a centros de formação puramente técnica, ensinando ao aluno principalmente disciplinas aplicadas com utilidade prática. Nesse cenário, matérias tradicionalmente obrigatórias em muitos cursos, tais como Filosofia, Sociologia, Antropologia e Ciência Política simplesmente cairiam por terra, por não serem suficientemente práticas (em muitos dos casos). O outro lado é quem defende que as universidades deveriam ser predominantemente teóricas, com foco na formação mais "profunda" do indivíduo. Essa visão carrega também, em geral, outra, que defende a independência da universidade em relação às demandas imediatas do mercado. A universidade, assim, seria um local privilegiado para o pensamento e o debate, mas não necessariamente para a formação mercadológica.

Nem tanto ao mar, creio. Mas também nem tanto à terra.

Por um lado temos a real pressão do mercado, especialmente em cursos como Engenharia, Administração, Economia, etc., nos quais as demandas dos alunos são, na prática, ditadas pelas necessidades de mercado. Não são raros os casos de alunos que saem da graduação em Administração, por exemplo, sem jamais terem passado por qualquer tipo de estágio supervisionado em alguma empresa, sem qualquer tipo de exposição à realidade do mercado que almejam entrar; e, na minha experiência, muitos alunos também saem com uma arrogância característica.

Por outro lado temos a necessidade de formação de um estudante para a sociedade, que seja um estudante preparado para lidar com diversos problemas (não necessariamente de ordem técnica) e capaz de interpretar criticamente o mundo a sua volta. E nesse ponto estamos falhando de modo incrível também.

Conforme matéria relativamente recente, a qualidade do estudante que sai do curso de graduação está indo de mal a pior na avaliação do mercado. Conforme comentário de José Pastore, 
Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria.
A educação, que se tornou um negócio bastante lucrativo, também tem sua parcela de culpa. Hoje é possível sair da universidade e pegar um diploma sem que se tenha qualquer habilidade mínima em relação ao que se estudou. Passam-se anos em uma universidade para, ao final, o estudante não conseguir interpretar um texto ou mesmo fazer uma regra de três.

Esse problema, que não é só brasileiro, também tem implicações profundas no nosso modo de pensar a própria universidade: se as "universidades" não estão fornecendo ao mercado as competências necessárias para aquilo que se espera, então deve haver alguma outra saída.

Uma dessas saídas é - e aí voltamos ao debate entre episteme e techne - o aprendizado na prática. Já que a universidade não estaria dando conta do recado, o mercado pega essa tarefa para si. Uma consequência desse modo de pensamento é a subvalorização de tudo aquilo que a universidade teria a oferecer. E essa é uma consequência nefasta. Nessa equação da desvalorização da universidade temos a consequência da desvalorização do conhecimento acumulado ao longo dos séculos, bem como daquele que é produzido (ainda que a fórceps) nos laboratórios e salas de estudo. Esse conhecimento, para o novo século XXI, estaria fora de moda, incompatível com as reais necessidades que se impõem.

O problema de quem segue essa lógica simplista de desvalorização do conhecimento (e aí falo enquanto teoria, abstração, especulação) é justamente um círculo vicioso, em que a glorificação da prática parte como necessária desvalorização da especulação teórica.

Essa desvalorização da teoria também cumpre um papel odioso na prática. Apresentando-se como o modelo de um novo século, destitui o ser humano da necessidade de estudar justamente aquilo que muitas vezes dá a base do que faz. O aprendizado pela prática, nessa visão extrema e limitada, acaba por perpetuar um ciclo da eterna novidade, em que sempre se busca a última versão daquilo que, na verdade, é conhecido há tempos, mas está com uma nova roupagem mais moderna. A última novidade sempre é mais interessante que aquilo que já existe, mesmo quando essa "última novidade" é não mais que uma reedição do que já existe em termos anglicizados.

O antídoto para esse potencial círculo vicioso, que glorifica sobremaneira a prática em detrimento de qualquer especulação teórica, é justamente a quebra do paradigma - mas, nesse caso, não através da rejeição de qualquer conhecimento pretérito, e sim através da quebra do paradigma da educação tradicional.

Iniciativas como o Coursera, na minha visão, são altamente inovadoras ao darem esse primeiro passo em direção à quebra da lógica de uma educação padronizada e pouco adaptada às necessidades e desejos de cada um. Tenho um interesse por Filosofia Clássica? Faço um curso sobre isso. Quero aprender a programar? Há cursos para isso também, todos eles geralmente fora das rígidas estruturas classificatórias e conformatórias que caracterizam o ensino tradicional. O que um Coursera faz, na prática, é devolver ao estudante a possibilidade de adaptar sua curiosidade àquilo que é disponível para aprender, algo difícil na rígida estrutura tradicional.

Estou pressupondo, claro, que a pessoa tenha vontade de estudar e se aprofundar em um tema, teórico ou prático. Mas há ainda o outro caso: o da promessa de determinadas instituições (e da compreensão equivocada) que bastaria a prática para aprender o necessário sobre determinada coisa.

Por um lado, não estão erradas. A prática realmente ensina muita coisa, e é uma grande fonte de ideias. Porém, como qualquer ideia, a mesma se torna interessante apenas quando cai em campo fértil. Se na minha prática profissional vejo algo que é diametralmente oposto ao que a teoria me diz que iria acontecer, tenho um momento de contradição: se estudei que x leva a y, e vejo na minha frente que x não está levando a y, o que está acontecendo?

Muitas inovações surgiram dessa constatação paradoxal na prática, caindo em solo fértil de pessoas que tinham a capacidade de entender qual o problema, estudar soluções que já haviam sido propostas para esse mesmo problema, e propor novas maneiras de se resolvê-lo. Entretanto, para que esse momento de serendipidade aconteça, é necessário que a pessoa saiba o que outras já fizeram antes dela sobre o mesmo assunto, até para evitar que se ache novidade aquilo que já se conhece há anos (décadas ou séculos).

Caso contrário, corre-se o perigo de se achar que tudo sempre é novidade, e aí cai-se facilmente nas garras de qualquer charlatão que está mais interessado em vender uma solução já conhecida para um problema já conhecido (porém com um nome mais bonito), normalmente cobrando rios de dinheiro - como costumam fazer os charlatões.

A melhor defesa contra o charlatanismo intelectual é exatamente essa convivência entre a teoria e a prática, na minha opinião. Em campos caracterizados pela proeminência da prática, como o meu, isso se torna mais ainda necessário. Através da teoria tenho uma compreensão do caminho que outras pessoas antes de mim percorreram, dos problemas que encontraram, e das soluções que propuseram. Posso encontrar visões diametralmente opostas sobre o mesmo tema, e ser jogado à frutífera e desconfortável situação de ter que analisar criticamente as coisas. Por outro lado, através da prática encontro os pequenos desafios cotidianos ao que as teorias propõem - para um olho treinado, às vezes um pequeno detalhe pode fazer surgir uma nova maneira de se realizar determinada coisa.

Tendo que escolher entre a teoria ou a prática, fico com ambas.


Nota: Esse ensaio reflete as minhas opiniões acadêmicas a respeito do tema, não necessariamente refletindo as opiniões de meu empregador.
0 Comentários

    Pedro Ivo Rogedo

    Em algum lugar entre o mundo árido dos negócios e a beleza da Comunicação...

    Arquivos

    Junho 2017
    Maio 2014
    Março 2014
    Fevereiro 2014
    Janeiro 2014
    Dezembro 2013
    Novembro 2013
    Outubro 2013
    Setembro 2013
    Agosto 2013
    Julho 2013
    Maio 2013
    Abril 2013
    Março 2013
    Fevereiro 2013

    Categorias

    Todos
    Academia
    Mercado
    Mídias Sociais
    Opinião

    Feed RSS

    Regras de comentários:
    Utilize sua liberdade de expressão de modo sensato e respeitoso. Comentários preconceituosos, racistas, agressivos ou congêneres serão apagados. Além disso, comentários que não sejam mais do que publicidade disfarçada também serão apagados.
    Rede:
    Bruno Scartozzoni
    danah boyd
    Felipe Villanova de Leon
    Grant McCracken
    Howard Rheingold
    Mariana Oliveira
    Olivier Blanchard
    Ricardo Cappra
    Sherry Turkle
    Tarcízio Silva
    (outros em breve)
Por Pedro Ivo Rogedo Costa Dias, exceto onde expressamente mencionado.
Licença Creative Commons
Este trabalho foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada.